19.8.10

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali



África _ já ali


África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

Menina dos meus olhos
José Mário Branco (1997)

Fosse a menina dos meus olhos puta
e fornicara com as televisões
as duas novas da greta e da gruta
e as duas velhas pelas mesmas razões

rectangular e omnipresente nesga
que tem pra tudo as melhores soluções
fosse a menina dos meus olhos vesga
logo lhe dera as suas atenções

ai fosses tu menina dos meus olhos
com teus lacinhos e caracóis
a inocência vai nos entrefolhos
e fica a pátria amada em maus lençóis

entram pelas casas sem ser convidados
tempos de antena e outros futebóis
ficaram todos mais bem informados
opinião pública dos o...rinóis

são cus e mamas a dançar de gatas
mailas gravatas dos seus figurões
as euforias ficam mais barata
se domesticam-se as excitações

pobre menina ficas à janela
depenicando as tuas distracções
lavas a loiça fazes a barrela
mas essa merda não cede às pressões

os antropófagos das nossas dores
tomaram conta da aldeia global
fazem milhões a converter horrores
em audiências de telejornal

o insuportável torna-se rotina
e a realidade já é virtual
a dor da gente é inesgotável mina
que lhes rentabiliza o capital

as reportagens e as telenovelas
juntam os trapos pezinhos de lã
com a verdade ali a olhar pra elas
histórias da civilização cristã

já não é sangue o líquido vermelho
que nos reserva o dia de amanhã
e tu menina vais-te vendo ao espelho
e sofres dos dois lados do ecrã

noventa e quatro chegou à cidade
noventa e oito está quase a chegar
fez vinte aninhos a nossa liberdade
já é bem tempo de a desvirginar

e se o dinheiro não dá felicidade
televisões bem a puderam dar
talvez que para manter a sanidade
eu chegue ao ponto de ter que cegar

e a menina dos meus olhos há-de
conseguir ver para além do meu olhar





África _ já ali

Como tu és loira
Eu sou muito moreno
Como és mexediça
Eu sou mesmo sereno
Tens um ar que corta corações alados
Meu ser apaixonado
Insiste todavia
Que hei-de eu fazer da minha idiossincrasia

Tu és muito fria
Eu cá sou muito quente
Tu és quase triste
Eu sou quase indecente
Persiste a volúpia na latinidade
Esta sensualidade
No grau superlativo
Mesmo do género idílico e contemplativo
Sou um militante activo
E queres ser minha lira
Tal qual és…
Mentira

Como és tão calada
Eu sou tão algarvio
Como és civilizada
Eu sou mesmo gentio
Teu estilo derrama tecnologias
Mas não tem a poesia
Que esta emoção encerra
Também vos falta o que nos sobra lá na terra

Tu és muito ao norte
Eu cá sou do “midi”
Tu és quase distante
E eu quase te esqueci
O teu modo esguio gótico ogival
O meu sentimental
Bucólico e idealista
Prometem terramotos trovões e faíscas
Ó alma renascentista
P’ra além deste chinfrim
Que mais queres tu de mim
P’ra além desta cantiga
A quanto tu me obrigas

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali

África _ já ali